SILÊNCIO FALADO

quarta-feira, novembro 17, 2004

Reconhecimento de escrita

Pergunto-me muitas vezes se a alma pode doer.
Tenho quase a certeza que é possível. De que outro modo poderia então explicar o peso que sinto no coração, o aperto no estômago, o subtil mas aterrador tremor que me percorre o corpo de vez em quando?
Quando isto acontece, sento-me e tento desligar.Sonho de olhos abertos, sonho que saio do meu corpo, que me movo por entre sonhos, ideias e pensamentos e que a vida corre desordenada por sombras e luzes. Aí, a vida vira filme e vejo-me num ecrã de cinema, com o charme intocável e as respostas sem falhas das míticas personagens do grande ecrã. É lá que me sinto bem. Os tremores cessam, desaparece o peso que sentia pairar-me sobre a cabeça. Sinto-me livre.
Por vezes quando regresso, sou novamente assaltada por medos inexplicáveis e há dias em que tenho de repetir a viagem. Sei que cada vez que parto, levo uma parte de mim para o outro lado. Acredito piamente que conseguirei transportar quem eu quero até ao meu universo. Mas por ora, preciso desse refúgio para enfrentar a rua, o olhar das pessoas. Graças a ele, flutuo pela rua esboçando um sorriso, os olhos cravados no céu, cantarolando. Quem olhar para mim pode pensar que me se sinto dona do mundo, que as minhas passadas denotam uma absurda autoconfiança. E talvez me sinta de facto dona do mundo, do meu mundo. E quando os meus olhos encontram os olhos impiedosos de quem acha que é impertinência essa forma de andar, tropeço e sorrio. Sei que é perigoso elevar-se assim esquecendo os olhos impiedosos desse mundo.
Por isso, desço à terra. De vez em quando.


posted by elisa, 22:10 < | link | 7 comments |

7 Comments:

Elisa, como me revejo neste texto!...

"mas apenas os mais audazes / podem ir do real ao irreal / e os seus sonhos são aves / em voo sereno e triunfal"

Fica com um beijo...
commented by Blogger A.S., 8:19 da manhã  
Dizem, as pessoas sensatas, que o essencial é esse equilíbrio entre o voo e o poisar no solo...Gostei muito do teu texto, bom fim de semana :-)
Dora
www.atrasdaporta.blogs.sapo.pt
commented by Anonymous Anónimo, 1:28 da manhã  
Gostei muito do teu cantinho! Senti-me aqui espelhada em muita coisa e olha... o mais importante é que não deixes cortar as tuas asas e que nunca percas a noção de que de vez em quando é bom pousar os pés na terra... Mas voa... lá em cima é tudo muito mais simples, puro e bonito..
Beijinhos e bom fim de semana
commented by Blogger Raíz de Pimenta, 4:31 da tarde  
Se calhar, se em vez de desceres à terra de vez em quando não receasses passar mais tempo dentro dela, talvez esses ataques de insegurança fossem menos frequentes, não te parece?
Bjo
BA
commented by Anonymous Anónimo, 11:51 da tarde  
A todos obrigada pelas vossas visitas:)Saibam que quando "descolo" são, entre outras coisas, as vossas palavras e os vossos textos que me servem de guia:)!!Mil beijinhos:)!
commented by Blogger elisa, 4:59 da tarde  
Que texto fantástico, Elisa. Quem descolou fui eu, ao lê-lo. E acho que sim... que a alma dói. Beijo grande :) Carla (das papoilas)
commented by Anonymous Anónimo, 7:30 da tarde  
A alma dói, sim, Elisa. E a receita para a dor de alma é mesmo sair do corpo e vaguear no nosso mundo, esse que nos acolhe e nos aconchega. Um beijinho enorme para ti!
commented by Blogger AnaP, 11:42 da manhã  

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